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sábado, 9 de outubro de 2010

Gratuidade de Justiça

Engraçado como o Direito pode partir de um "papo de boteco". Em uma conversa informal com um colega, este se queixou de um certo juiz que, mesmo diante de declaração de hipossuficiência acostada aos autos, teria requisitado a juntada de comprovantes de rendimentos, declaração de bens e rendas para fins de exame do pedido da gratuidade de justiça. O autor dessa demanda possui de empresa de corretagem de imóveis, fato que possivelmente determinou a requisição do magistrado e dúvida quando da condição de necessitado.
Para análise dessa situação recorremos ao art. 5º, LXXIV da Constituição Federal, e à Lei 1060/50, dispositivos estes que garantem e estabelecem normas para a concessão, pelo Estado, da assitencia judiciária para os necessitados. Mas, para isso, devemos saber o que é "necessitado" segundo a Ordem Jurídica. De acordo com o art. 2º, parágrafo único da Lei 1060/50, "considera-se necessitado, para fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família". Obviamente que custear um processo se traduz em prejuízo financeiro próprio, mas o que a lei busca é considerar como pobre aquele que ao arcar com os custos de um processo, tem prejuízos de ordem financeira que agridam, principalmente, a subsistência e o padrão de vida próprios e de sua família. Assim, não interessa se o autor da demanda possui uma empresa de corretagem de imóveis, nem os bens que este possui, o que interessa é se suas despesas superaram as suas receitas. Se assim ocorrer, o cidadão é pobre para a lei e faz jus à assistência gratuita.
Ainda relativo à essa condição, recorremos à disposição do art. 4º da Lei 1060/50, verbis: "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família". Ou seja, a simples alegação na peça inaugural ou a inclusão de declaração de hipossuficiência nos autos garantem o direito à gratuidade de justiça. Trata-se pois de presunção relativa, onde o contrário pode ser comprovado, e neste caso, o requerente da justiça gratuita é apenado com o pagamento de dez vezes o valor das custas processuais que requer isenção. O art. 7º da referida lei aponta que a parte contrária poderá em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios da assistência judiciária, quando comprovar inexistência ou desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão, devendo o juiz, em caso de se comprovar o alegado, ou seja, a falsidade na alegação de hipossuficiência, revogar a concessão de tais beneficios e abrir prazo de 48 horas para a parte interessada se pronunciar a respeito.
Concluindo, por constar nos autos a declaração hipossuficiência do autor,  que se mostra ciente da pena cominada em caso de falsidade de tais alegações, entendemos que o juiz agiu mal em  condicionar  a concessão do benefício da justiça gratuita à apresentação de declaração de bens e comprovantes de renda; e ainda, sequer houve impugnação ou requerimento da parte contrária acerca da revogação da justiça gratuita que, por presunção, deveria ser deferida.  A apresentação de declaração de bens ou rendas são capazes de apontar o patrimônio de um cidadão, não de atestar seu estado de pobreza jurídica, como determina e requer a lei.

Fabrício Araújo Barros OAB/DF 32426

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