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segunda-feira, 21 de março de 2011

Perdão Judicial

Muitos acreditam que o Direito Penal brasileiro prima pela impunidade. Justificam tal entendimento pois a legislação brasileira apresenta situações em que mesmo diante de uma sentença penal condenatória o Poder Público decide por não aplicar a pena que ao réu foi imposta.

Entre as hipóteses existentes para a situação apresentada, merece destaque o Perdão Judicial, situação em que o próprio juiz que condena deixa de aplicar a pena imposta.

O Perdão Judicial traduz-se em "causa extintiva da punibilidade consistente em uma faculdade do juiz de, nos casos previstos em lei, deixar de aplicar a pena, em face de justificadas circunstâncias excepcionais". (CAPEZ, 2010)

Como o próprio nome aponta, o Perdão Judicial é ato inerente ao juiz da causa, e apesar de ser uma faculdade inerente à este magistrado, estando presentes tais circunstâncias excepcionais, tal benefício não se pode deixar de ser aplicado. Trata-se de direito público subjetivo do réu.

Mister faz lembrar que o Perdão Judicial, diferentemente do Perdão do Ofendido, não pode ser recusado pelo réu, em virtude da própria natureza das circunstâncias quem impõe a concessão desse benefício.

As hipóteses legais para a concessão do Perdão Judicial incluem:
  1. art. 121, § 5º do CP: homicídio culposo em que as consequências da infração atinjam agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. É o típico caso em que, por negligência, o pai deixa o filho de colo escorregar de sua mão, caindo de um viaduto e vindo a óbito. As consequências da morte de seu filho lhe causam tanta dor, que o cumprimento da pena se faz desnecessário;
  2. art. 129, § 8º do CP: lesão corporal culposa com as consequências acima mencionadas;
  3. art. 140, § 1º, I e II, do CP: injúria provocada pelo ofendido, ou em caso de retornsão imediata consistente em outra injúria;
  4. art. 176, parágrafo único, do CP: de acordo com as circunstâncias, o juiz pode deixar de aplicar a pena a quem toma refeições ou se hospeda sem dispor de recursos para o pagamento;
  5. art. 180, § 5º, do CP: na receptação culposa, a depender das circunstâncias do fato, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se o réu for primário;
  6. art. 249, § 2º, do CP: no crime de subtração de incapazes de quem tenha a guarda, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se o menor ou interdito for restituído sem ter sofrido maus-tratos ou privações;
  7. Na Lei de Contravenções Penais, existem dois casos: art. 8º e art. 39, § 2º.
  8. Na Lei de Proteção às Testemunhas, poderá o juiz conceder o perdão judicial ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Deve-se levar em consideração, para esta hipótese de concessão do perdão judicial, a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Por se tratar de excludente da punibilidade que, em regra, advêm após a condenação, o perdão judicial mantém os efeitos desta, excetuando somente os relativos à reincidência.

Necessário lembrar que, na análise dos pressupostos capazes de ensejar a rejeição da denúncia, caso o magistrado entenda pela existência inequívoca desta excludente, a peça acusatória deverá ser rechaçada de plano, consubstanciada na ausência de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, afinal, não é interessante para o Estado, mover todo o aparato judicial para, por fim, declarar extinta a punibilidade. Seria inóqua tal condenação vez que não haverá cumprimento da pena. De outra sorte, caso entenda de forma contrária e receba a denúncia, a alegação da existência de tal causa extintiva de punibilidade pode se dar em sede de Resposta à Acusação, devendo o defensor fundamentar o pedido de Absolvição Sumária, nos termos do art. 397, IV do Código de Processo Penal, consubstanciada no art. 107, IX, do Código Penal.

Princípio da insignificância

O princípio da insignficância decorre do princípio da intervenção mínima do estado. O brocardo romano "de minimis non curat praetor"; ou seja, o Juiz ( Estado-Juiz) não cuida de coisas pequenas. Assim, para que haja um procedimento penal e consequente condenação é necessário que tenhamos um fato típico, antijurídico e culpável (presuposto da aplicação da pena). Em se tratando da conduta do agente, só é possível considerá-la atípica e, consequentemente, impunível, excluindo-se o crime, se esse mesmo agente preencher os requisitos subjetivos[i]primariedade, bons antecedentes e condição de miserabilidade econômica e, ainda, os requisitos de ordem objetiva[ii]ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem jurídico tutelado. Se os requisitos forem preenchidos aplica-se o princípio da insignificância da res furtiva, para trancamento da ação penal. Aparentemente, parece não haver o que se discutir! Ocorre, porém, que o conceito do que seja insignificante confronta-se com o que é crime de menor potencial ofensivo/lesivo e crime de "pequena monta" (bagatela). Além do que, há entendimento diverso nas Cortes Superiores  (STF e STJ) sobre a exigência dos requisitos subjetivos, especialmente no que tange à reincidência delituosa. Sendo que a 1ª e 5ª turmas do STF e STJ, respectivamente, são contrárias à aplicação do princípio da insignificância aos reincidentes, enquanto a 2ª e 6ª Turmas dos mesmos Tribunais são favoráveis e exigem, tão-somente, o preenchimento dos requisitos objetivos...Estas fundamentam suas decisões na máxima romana supracitada e no fato de que o cárcere, nesses casos, mais prejudica que ajuda. Já aquel'outras sustentam que não se pode privilegiar quem de forma reiterada insiste na prática de delitos, ainda que pequenos, devendo-se-lhe aplicar a pena, nos termos do CP; como se aplica e.g.: no caso de furto, o privilégio do § 2º do art. 155 do CP (redução e/ou substituição da pena privativa de liberdade para restritiva de direitos ou apenas a pena de multa). Como não há definição aguarda-se a solução pelo tempo (tempus omnia curat). Restando outros aspectos que se importam discutir: até quando poder-se-á conceder tal benesse a quem praticar tais atos minimamente lesivos? Mobilizar a máquina estatal para persecução penal é viável nestes casos? O que se pode considerar juridicamente insignificante?



[i] Subjetivo é tudo aquilo que diz respeito ao sujeito. Exemplo: analfabeto, silvícola, etc..
[ii] Objetivo é tudo aquilo que é unânime, igual para todos. Exemplo:  durante a noite ( noite é conceito comum a todos)